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Sobre ser poeta.


 Sempre teve um pouco de poesia dentro de mim. A primeira vez que li poesia foi quando criança e tenho a memória intacta desse dia. Na época eu tinha quatro anos e a biblioteca da cidade ainda tinha cheiro de livro velho, meu pai me levou até lá porque ele estava atrás de algum livro sobre filosofia. Lembro de ficar chocado e adorar o lugar. Todos os livros que conhecia eram os livros que os meus pais tinham e no dia meu pai falou que eu poderia pegar dois. Os dois foram do Ziraldo, peguei Professora maluquinha e Menino maluquinho. Lembro de chegar em casa, ir para a parte de cima do beliche, abrir o livro e ler:

Era uma vez um menino maluquinho. 
Ele era muito sabido
ele sabia de tudo
a única coisa que ele não sabia era como ficar quieto.

Seu canto
Seu riso
Seu som
nunca estavam aonde ele estava. 

Foi a primeira vez que li poesia. Depois na escola li Aquarela e comecei a procurar e rabiscar. Uma mania que cultivo desde a infância é a de preencher os cadernos escolares da forma mais artística o possível. Era um ótimo aluno, mas meu caderno não era um exemplo disso. Esquecia de separar as matérias e misturava tudo. Entre os textos de português e história tinham desenhos de aliens lutando com robôs; nas páginas de matemática ao lado de uma equação você encontraria alguns versinhos, nas folhas de química junto com o calculo de estequiometria você iria se deparar com um pequeno conto sobre um bárbaro com a sua espada contra seres mágicos. Quando era criança e os professores pegavam o meu caderno comentavam: "Esse menino é criativo..."

No ensino médio criticavam: "Esse menino é distraído...Não presta atenção na aula porque fica desenhando e escrevendo coisas que não tem relação com a aula."  

Na faculdade o professor me via desenhando uma caricatura dele ao lado de uma informação e sorria dizendo: "Esse menino...Esse menino"

Poesia sempre foi natural para mim, fluía bem. A maioria delas escrevo a partir de uma frase ou verso que pensei e poucas delas são as que passo dias pensando. Estudei sobre métrica e os movimentos literários e sentia que poesia era uma das coisas mais lindas que se tinha. No começo minhas poesias eram mais formais e depois foram fluindo mais tranquilamente. Quando encontrei o movimento beat me apaixonei pelo discurso caótico e Allen Ginsberg. Sempre achei engraçado a tendência que se tem ao começar escrever poesia quando adolescente e cair no clichê de falar de sexo, drogas e cigarros de uma forma bem romantizada. Bukowski criou um bando de romancistas felizes de ficar na inércia de uma fumaça de cigarro. 

Uma coisa que sempre me incomodou era a ideia de: Só o poeta entende o que escreve. 

Claro que não! Ah! Essas poesias incompreensíveis cheias de tons melancólicos, palavras complicadas e metáforas rasas. Poesia ainda comunica, sabe? E a verdade é que grande parte dos poetas de instagram hoje em dia não sabem direito sobre o que estão escrevendo. Se você perguntar o significado vai receber um sorriso em diagonal de desprezo. Isso vem da ideia da poesia ser apenas intuitiva e não pensada. No livro Sobre a escrita o mestre Stephen King conta o seguinte:

"Não quero falar mal da minha geração (na verdade, quero ; nós tivemos a chance de mudar o mundo e preferimos ficar assistindo o canal de compras na TV a cabo), mas os escritores que eu conhecia naquela época acreditavam que a boa escrita vinha espontaneamente, em uma onda de sentimentos que tinha de ser agarrada de uma vez só; enquanto se construía essa indispensável escadaria para o paraíso, não dava para ficar parado, com a marreta nas mãos..."

Continua:

"...Se alguém perguntasse ao poeta o que significava o poema, era bem possível que recebesse um olhar de desdém. Um silêncio desconfortável provavelmente emanaria dos presentes. Com certeza, o fato de o poeta ser incapaz de dizer algo sobre a mecânica da criação não era considerado importante. Se pressionado, ele ou ela poderia dizer que não havia mecânica, apenas aquele jorro seminal de sentimento: primeiro existe uma montanha, depois não existe montanha, depois existe."

E depois conclui: 

"O poema também me fez sentir que eu não estava sozinho na crença que escrever bem podia ser algo, ao mesmo tempo, inebriante e planejado. Se gente ferrenhamente sóbria pode transar como se estivesse fora de si - e pode estar fora de si de fato no momento do êxtase - por que escritores não podem ficar ensandecidos e ainda assim continuar sãos?" 

Arte são todos os meios de envolver alguém (incluindo o artista). Não estou querendo aqui ditar uma forma de fazer arte, mas considero importante levantar uma reflexão sobre o desenvolvimento e criação dela. O poeta é um rei da imagética e harmonia. Ele entende dos pensamentos, dos desejos e dos sabores que você talvez nunca tinha provado, mas tem ideia do sabor. A poesia também transborda, e meu amor, como transborda. Ela às vezes é um grito abafado e surdo, mas ainda assim um grito. Poesia te rouba coisas. Poesia acrescenta coisas. Poesia grita coisas. Então, me diz...

De quantos versos são a tua saudade?
De quantos versos são a tua dor?
De quantos versos são teus pensamentos?
De quantos versos são teu ser?

Poesia está em tudo, note isso. Você pode escrever poesia sobre absolutamente qualquer coisa. 


A poesia pode te escrever. 

Então, o que posso falar sobre ser poeta? Bom, é questão de ser e quando se é, te confesso...É extraordinário. Escreva, leia e seja poesia. 

Foto do Edison Lucas

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