É estranho ser um irmão menor. Nos filmes a gente costuma ver o lado do irmão maior e sobre como o irmão menor é um porre, ou inexperiente. Na minha sala da escola todo mundo era o irmão maior, mas eu não, sempre fui o caçula. E ser o caçula é uma experiência no minimo interessante.
Minha irmã é o meu oposto; cinco anos mais velha, meu nome veio do dela, Victória. Se eu fosse um giz de cera ela seria uma caneta bic. Eu estudava, ela ia pra balada; ela era sociável e eu tinha três amigos. Minha irmã me viu crescer, e deve ter sido um processo engraçado ou curioso. Eu era uma criança calada, que internalizava as coisas. Quando criança nós nos mudamos para um bairro longe da cidade e tudo era complicado.
A nossa mãe era professora e fazia faculdade de psicologia, passava o dia fora, meus pais eram separados e nós dois costumávamos viver sozinhos. Dividíamos as tarefas da casa, e minha irmã tinhas as rédeas. Passava o rodo, varria, e fazia todos os trabalhos importantes que mais tarde passavam por uma inspeção da minha mãe. Dormíamos em um beliche, eu na parte debaixo, nunca falei para ela, mas gostava mais da parte de cima. O dia passávamos juntos em casa, às vezes não trocávamos uma palavra, mas sabíamos que o outro estava ali. Aguentamos muitas barras juntos, e isso nos tornou fortes.
Ela repetiu de ano, eu pulei uma série. Ela impressionava todos, dançava bem, era uma morena de coração. Eu ficava nos livros e escrevia. Mas gostava de acompanhar todos os processos e avanços dela, porque eu amo ela, sabe? A gente gosta de ver as pessoas que ama existirem. Hoje ela é gerente de uma boate, mora fora e é super resolvida (acho).
Um dia minha irmã fugiu de casa.
E tinha uma carta com essa fuga, só os meus pais leram. Eles não sabem, mas eu roubei essa carta. E li ela. Tinha uma frase: "vocês podem ficar felizes agora com o seu príncipe perfeito". Queria pedir desculpas para a minha irmã na época, eu devia ter só dez anos. Queria explicar para ela que não era perfeito. Queria falar para ela:
Ei, eu tenho falhas.
Ei, eu te amo. Obrigado por tudo.
Ei, eu me sinto sozinho.
Ei, tenho inveja de você. Dos seus amigos.
Ei, socorro.
Ei, tudo bem. Eu tô aqui.
Ei, eu choro às vezes sozinho.
Ei, fica, por favor.
Mas ela se foi, e naquela época foi tudo bem sombrio. Eu já era sozinho, mas minha irmã estava ali, sabe, no quarto ao lado, ou conversando com suas amigas na varanda. Mas ela tinha ido. E agora eu ficava sozinho. Lia sozinho, existia sozinho, e meu dia era assim. Eu ficava remexendo as coisas dela, achando que ia encontrar um pouco dela ali. Me remoía em culpa. Minha mãe chegava em casa, eu desviava o olhar, ia andando até ela e perguntava: Alguma notícia da maninha?
Então eu ficava por dentro de tudo. Sabia que ela estava em algum lugar, na casa de uma pastora ou algo assim. Quando minha irmã foi embora eu estava em casa, e ela me deu um adeus. Lembro de ligar para a minha vó e dizer: A maninha foi embora, não sei quando ela volta.
Mas ela voltou, e tudo estava diferente. Ainda era minha irmã, ainda passávamos por barra juntos. Ela me ajudava e eu ajudava ela.
Eu sabia que meu pai era ateu. Um dia antes de dormir me perguntei se ele iria para o céu, e entendi que não. Comecei a chorar silenciosamente. Minha irmã desceu a escada do beliche e ficou lá comigo. É isso que eu me lembro. Essa é minha irmã. Minha irmã que me viu crescer. Me viu passar por tudo. Me viu me tornar um escritor, fotógrafo, diretor... E quero deixar ela orgulhosa, sabe. Nós aguentamos barras juntos. Isso é lindo.
Ontem minha irmã me levou para fazer minha primeira tatuagem. Fiz um ponto e vírgula com uma pena do lado (depois eu mostro aqui), o ponto e virgula vem quando um escritor pode parar, mas opta por continuar. Eu e minha irmã continuamos, somos sobreviventes. Ela é que nem tatuagem, tá na minha pele, na minha alma. Tatuagem é ferida por um tempo, mas depois cicatriza. Minha irmã às vezes vem aqui em casa e fica comigo, daqui alguns dias vou fazer meus dezoito anos. Mas toda vez que penso nela indo embora ou ficando mal viro uma criança.
Ei, eu te amo.
Ei, obrigado por tudo.
Ei... Fica.
Minha irmã estava lá quando coisas ruins aconteceram, estava lá quando coisas boas aconteceram. E ela vai continuar estando. Escolhi amar minha irmã. Nenhum irmão é obrigado a amar o outro, você pode muito bem odiar. Mas ela é o meu oposto, e é linda. Cicatrizando, e é arte, que nem uma tatuagem.
Uau! Eu tô sem palavras pra esse texto... muita alma!!!
ResponderExcluirVim ver meu comentário e nada
ResponderExcluirAi pensei
Será q é mediado?
Será q n finalizei?
Testando...
Não há mediação
ResponderExcluirImaginei
Lerdeza minha
Ou do smartphone
Comentário oficial o próximo
PS: Sou normal
Na verdade, n sou n rsrs
Desculpa a demora!
ExcluirP.s: Que bom!
Então
ResponderExcluirSou a menor das meninas e a mais nova mais velha de meu irmão
Irmão esse (meu preferido) com algumas tatuagens
Adorei te ler
Adorei a foto
Desejo que hajam muitas reticências entre vcs
Leveza e liberdade de penas
Raízes
Exclamações
E muitas emoções
Ah, Tina! Adorei! Como é ser a irmã mais velha de alguém?
ExcluirVictor quanta emoção em um texto! Estou escrevendo e morrendo de chorar! Tenho um irmão mais novo e o amo demais. E essa coisa de ciúme com o caçula existe mesmo. Na verdade é insegurança, mas como irmãos mais velhos nos vemos na obrigação de proteger e Deus me livre de alguém fazer mal ao meu irmão, acho que viro uma fera. Hoje vejo o amor dele e do meu filho e eles dois são tudo que eu tenho de melhor nessa vida! Tenho certeza que a Vitória te ama demais! Amei seu texto, obrigada por escrevê-lo... Escreva mais...
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