Sentei na primeira cadeira alta que vi ao subir no ônibus. Existe essa competição imaginária sobre quem vai sentar na cadeira alta; acredito que é questão de perspectiva. As pessoas querem ter a melhor visão do lugar. E para um escritor é bom ter a melhor visão do lugar, visualizar os personagens. Miguel sentou do meu lado.
- Eu conheci minha namorada em um ônibus - disse - indo pro universitário.
Ele sorriu.
- Essa história você nunca me contou.
- Ela não me conheceu em um ônibus. Mas eu conheci ela. Ela era a garota do ônibus, aquelas paixonites rápidas que você nunca vai conseguir ter nada. De longe eu acompanhei a mudança dela. Mas nunca tomei coragem para falar. Ficava vendo ela de vestido, toda linda, morena.
- E quando isso mudou?
- Anos depois encontrei ela no twitter. Quis ser ousado, sabe, chocar. Mandei uma música do Vitor Ramil sem nem dizer um oi antes. Ela adorou a música e começamos a conversar do nada. Nunca teve um início, sabe. Ela se apaixonou por mim no primeiro dia - sorri - não fui eu que disse isso, foi ela. Vivia chamando a menina para sair, mas ela é complicada com essas coisas. Até que um dia teve um show na gameleira.
- Gameleira?
- É. Minha melhor amiga estava lá comigo e com o namorado dela e eu super ansioso falando da garota do ônibus para todo mundo. Que o livro favorito dela era o mesmo que o meu, que ela respondia aos meus flertes de filósofo barato. Só que ela se atrasou, e eu comecei a me preocupar. Achei que ela não vinha. Sabe, criei toda uma situação na minha cabeça. Que ela tinha desistido de mim e coisas do tipo. Só que ai ela apareceu, e estava tocando Tim Maia. Foi a primeira vez que a gente se beijou, e foi bom e bonito. A gente dançou. E eu nunca tinha dançado com alguém, sou tímido com essas coisas.
- E vocês começaram a namorar?
- Não, isso foi um tempo depois. Foi depois do primeiro "eu te amo", que foi eu que disse, aliás. Ela que me pediu em namoro, toda tímida. Mas depois eu pedi ela, dei um presente todo estranho.
- Que presente?
Sorri.
- Ahn, eu mimo muito ela. Dou muitos presentes. Queria dar algo que representasse eu por completo, com todos meus problemas. Dei um papel de uma aula de violão que desisti, um antidepressivo que eu tomava na época, uma bula de um remédio para ansiedade, e a caixa do meu segundo óculos. Achei que seria bem ilustrativo. Ou algo que um Woody Allen jovem daria para a namorada. Ela adorou. Acho.
- Que bonito, e o que aconteceu?
- A gente continua juntos, faz quase oito meses. A gente nunca brigou, sabe. Acho isso lindo. Mas ao mesmo tempo conversamos sobre tudo, e isso é a poesia do nosso namoro. Talvez a gente dê um tempo. Mas se isso acontecer, vou conquistar ela de novo.
- Nós somos bons com isso.
- O quê?
- O flerte.
- Ó sim - disse - o universo abençoe o flerte. Vou conquistar essa morena de novo.
- Claro que vai.
- Eu me declaro para ela todos os dias, e de diferentes formas. É uma promessa que eu tenho.
- E como você vai se declarar hoje?
- Estou escrevendo esse texto.
- A gente está em um texto?
- Aham.
- Achei que era um ônibus.
Sorri.
- Essa é a coisa. Ás vezes andar de ônibus é que nem ler um texto. Tem transições, personagens, paradas. Aliás, eu tenho que descer agora. Vou puxar.
- Tudo bem.
- Morena, eu te amo.
- Por que você tá falando isso para mim?
- Não tô falando com você, tô quebrando a quarta parede que separa o nosso mundo do mundo do leitor. No caso to falando com a minha namorada, dizendo que amo ela.
- Ah sim, eu posso fazer isso?
- Pode sim.
- Guria, adorei a história de vocês. Ele realmente te ama.
- Valeu, Miguel. To descendo, é a minha parada.
- Tudo bem, guri - disse - daqui a pouco eu desço.
Morena, revoada, meu bem, meu amor, Thaís, universo, rosa, borboleta, dengo... E por ai vai. |
Ah, menino. Tu me agracia demais! Agradecida por nosso encontro e o poder caminhar juntos enquanto for. Tu é sol, artista. (Me) Ilumina! <3
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