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Calor de inverno.


 Estava calor, porra, ele sabia que estava calor. Estava calor daquele jeito desde que ele tinha saído do trabalho. Mas porra, aquilo sim era calor. Ele estava atravessando a ponte, suando. Porra. Ele precisava respirar. O ar estava quente. Devia ser os malditos imigrantes. Caralho, pensou, só podem ser os imigrantes. Ele tinha lido uma vez um artigo que falava que o número de pessoas em um lugar aumenta o calor. E agora a cidade estava cheia deles, cheia desses ciganos. Eles que se fodam. Ele tinha recusado a dar dinheiro para um deles quando saiu do trabalho, o cigano murmurou algo e Fábio continuou o caminho. Alimentar vagabundo, isso é coisa para trouxa. Mas meu Deus, estava calor. Ele estava com saudades do ar condicionado do trabalho. Sentia o suor escorrer pelo corpo. Uma gota deslizou pela sua testa e pingou na retina, ardendo. O ar estava quente. Porra. Ele podia sentir o sangue ferver. Parecia que estava derretendo. Ele tinha que ficar parado, respirar. Se controlar. Parou no meio da ponte e respirou profundamente. Tinha pessoas olhando ele. Elas não estão sentindo calor? 

 Elas só estavam olhando ele suar que nem um porco. Mas foda-se elas. Estava calor. Água, porra, ele queria água. Queria se resfriar. Tinha uma garrafa d'água na mochila. Retirou a tampa e jogou a água sobre si. Porra. A água estava quente, fervendo. Sentiu a pele queimar. Porra, não. As pessoas ainda estavam olhando para ele. Estava quente. Elas não viam isso? Caralho, devia ser o aquecimento global. Ele estava sem ar. Os pulmões estavam pegando fogo. Ele precisava de água. Precisava se molhar. Ele ia derreter, porra, ia derreter de verdade. Que nem um picolé no calor. Fábio sentiu os lábios rachados. Nem saliva ele tinha. O que ele conseguia vinha quente. Seca. Ele ia morrer de calor. Não, água, ele precisava de água.

 A ponte. Ele estava em uma ponte. Olhou para baixo e viu o rio. Tão cheio, transbordando. Molhado. Água. Deveria estar gelada a água. Porra, ele não ia morrer queimando vivo. Fábio ouviu as pessoas gritando para ele, sentiu um homem tentar segura-lo e o empurrou.

Foda-se esse calor. 

 Pulou. 



                                                                           ~''~


 O rio estava seco e Fábio morreu ao bater no solo abaixo d'água. Ele não sentiu alívio. Só calor. As pessoas começaram a comentar, os pais taparam os olhos dos filhos. Aquilo era uma cena terrível. Ao longe na margem do rio um imigrante sorriu vendo a cena. Limpou o suor da testa e voltou para a rua. Era inverno na cidade, e a chuva estava chegando. 

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