Existem algumas coisas interessantes na vida, grande parte delas nós não esperamos. Eu não esperava pelo Jamaica. Tinha ido viajar para Epitaciolândia para escrever meu livro, me desloquei alguns quilômetros atrás de solidão e encontrei ela perfeitamente ali. Meu quarto no hotel era bem iluminado e com uma escrivania no canto. Ali eu me curvei por horas durante cinco dias escrevendo meu primeiro suspense, que algum dia, vou anunciar aqui o lançamento. Mas a questão é: eu estava sozinho. Tinha estado ali apenas uma vez para gravar meu documentário (Fronteiras) e não me comunicava com ninguém no hotel além do gerente que ficava no lobby. Bom, então apareceu o Jamaica.
Todos os dias eu precisava almoçar, e resolvi que ficar no hotel o dia inteiro não era saudável. Para quem não sabe a cidade de Epitaciolândia é vizinha de Brasileia que por si é fronteira com Cobija. O que fiz foi todos os dias sair do hotel e ir caminhando atrás de um restaurante na cidade vizinha. Quando encontrava um, me servia, colocava o prato na balança e depois ia comer em silêncio no canto do lugar. Logo, isso mudou. No segundo dia atravessando a ponte vi um garoto mais ou menos da minha idade lançar malabares no ar e os manusear com uma habilidade invejável. O sinal ficou verde e os carros passaram. O garoto se retirou do meio da rua e foi para a calçada, só então notou a minha presença.
Achei que nesse ponto ele viria até mim pedir dinheiro ou algo do tipo, e acreditem, eu estava pronto para dar. Mas o que aconteceu foi o seguinte:
- E ai, loko.
Ele me estendeu a mão. Estava suado, devia estar ali trabalhando o dia inteiro. Apertei a mão dele.
- E ai.
- É daqui, brother?
Sorri.
- Sou não, sou de Rio Branco.
- E o que veio fazer por aqui?
- Escrever meu livro.
Ele arregalou os olhos vermelhos.
- Você é escritor?
- Aham.
- O que você escreve?
- De tudo - disse - terror, agora.
- Que maneiro, que maneiro.
Me sentei ao lado dele na parada. Era o primeiro posto de ônibus depois da ponte, imaginei que era ali que as pessoas embarcavam em direção a outras cidades.
- Você é de onde?
- Mato grosso do sul, brother.
- Que dahora.
- Meu nome é Jamaica, quer dizer, não é o meu nome. Mas pode me chamar de Jamaica.
- Eu sou Victor. Victor Silveira.
- Prazer, brother.
Nesse momento uma moça se aproximou de nós dois. Ela era sorridente e sombreou Jamaica. Tinha uma beleza diferente. Notei suas tatuagens. Sorriu para mim.
- Hola.
- Oi - respondi.
- Esse é o Victor - disse Jamaica - ele é escritor.
Ela sorriu novamente. Jamaica se levantou e passou o braço por ela.
- Essa é a Angie, é minha noiva. Colombiana.
- Sério?
- Aham.
- Estão há quanto tempo juntos?
- A gente se conheceu faz um mês - respondeu - no Peru.
- Que dahora.
- É o que faço, cara, viajo por ai. Carrego uma filosofia comigo, coisas do tipo.
Depois disso o papo andou e caminhou, devo ter passado uma hora com eles naquele dia. Toda vez que o sinal fechava Jamaica ia para a frente dos carros e começava a brincar com seus malabares, atentamente, antes de fechar, passava pelos motoristas procurando um retorno por sua arte. E acreditem, ele ganhava bastante. Segundo Jamaica ele nunca passou fome. Mas ele me disse muitas coisas naquele dia, inclusive que Jesus era um alien. Naquela tarde eu tinha saído para caminhar, e sempre levava comigo minha câmera. O sinal fechava, eu puxava a 50mm e clicava o Jamaica entretendo as pessoas no sinal. Ele era cheio de charme e malandragem. Uma figura, acabou entrando no meu livro, mas isso é outra história. Passei mais dois dias me encontrando com eles naquela parada. Tendo conversas rápidas que abordavam em uma filosofia simplista pensamentos de grandes filósofos (vi ele citar o eterno retorno de Nietzsche sem nem notar). Era um argonauta.
Dia desses, já tendo voltado da viagem, estava andando de moto com meu pai por Rio Branco. Ao fundo, lá no sinal, vi um hippie cheio de charme se apresentar para o público. Era ele. Sorri. É sempre bom reencontrar um personagem, né?
Andie e suas tatuagens. |
Angie. |
Jamaica. |
Jamaica no sinal. |
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