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Dúvida de beliche.


 Eduardo sabia que seu irmão já devia estar dormindo. Eduardo tinha quatorze anos e não tinha hora para dormir, o que ele considerava um grande passo de independência e do que o irmão menor chamava de "ser gente grande". Mas ele conseguia ouvir. Conseguia ouvir o irmão na parte inferior do beliche se remexendo, incomodado com alguma coisa. Eduardo colocou a cabeça para fora do colchão e encarou o irmão, os dois se olharam.

- O que foi?

O menor ficou calado.

- O que foi?

 Seu irmão abaixou a cabeça. tímido. 

- Eu não sei o que é sexo - disse o irmão - e mexeram comigo por causa disso. 

- Mexeram com você?

- É, os meninos da sala.

- Você não é obrigado a saber o que é isso.

Silêncio.

- Você sabe o que é?

- Sei sim.

O irmão menor fez bico, com raiva.

- A gente é criança e não sabe de nada! - gritou - É muito chato não saber! 

- Ei guri, tá tudo bem...

- Não tá não. 

Eduardo desceu a escada do beliche e sentou do lado do irmão. Arthur se enfiou no cobertor e olhou para ele com os olhos de pidão que tinha herdado da mãe. 

- Me fala o que é sexo?

- Ahn, ok. 

Arthur sorriu.

- Conta!

- Bom, é quando duas pessoas que se amam e resolvem ter intimidade e fazer coisas, dessas coisas acaba nascendo alguém. 

- Qualquer pessoa que se amar?

- Uhum.

- O papai ama o tio, eles fazem sexo?

- Não, guri. É quando uma pessoa for um casal, sabe, que nem o papai e a mamãe. 

- Ah sim!

- Entendeu?

- A Mariana da minha sala tem dois pais, eles são gays, eles também fazem sexo?

- Acho que sim, guri. Mas tudo bem com isso, a diferença é que não nasce alguém. Mas eles podem adotar. 

- E quando é homem com mulher nasce alguém?

- Sim.

- Incluindo aqueles meninos chatos da rua de cima?

- Sim.

- Nossa, e você não sabe quem vai vir? Tipo, e se vier alguém chato? 

- É questão de azar, acho.

- Poxa, eu não quero fazer sexo nunca.

Eduardo bagunçou o cabelo do irmão.

- É guri - disse - mamãe vai adorar isso.

 Os dois se entreolharam e sorriram. Eduardo subiu as escadas e encostou a cabeça no travesseiro. Silêncio lá embaixo, Arthur estava tranquilo. Eduardo suspirou e voltou a dormir, mais uma questão resolvida. 

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