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Kimbal.


 Kimbal em algum ponto parecia distante demais para todos. Ele estava em outro mundo e ao mesmo tempo era incrivelmente desafiador para os que estavam presente. Mauro se lembrava do amigo constantemente. Quando Kimbal entrou na sala da escola pela primeira vez todos ficaram calados. Ele tinha um nome estranho e vinha da África do sul, Mauro costumava ficar triste ao lembrar sobre como as pessoas discriminavam Kimbal por ser branco e vir da África. Muitas pessoas na minha terra são brancas, dizia Kimbal, Elon Musk é do sul da África e é branco. Mauro sorriu. Kimbal era um gênio, sempre foi.

 Quando Mauro começou a conversar com Kimbal ficou surpreso ao descobrir que ele aprendera português há pouco tempo, estava fazia apenas dois anos vivendo no Brasil. O amigo tinha um sotaque carregado e gostava de falar sobre foguetes. Na época Kimbal tinha doze anos, e seus pais ainda se amavam. 

- Eu vou construir um foguete, Mauro - disse Kimbal - ele vai para a lua, e eu quero ver o nosso planeta lá da nossa órbita. Dizem que os astronautas tem uma perspectiva diferente depois de ver a terra como um todo. Eu quero isso. 

 Kimbal era o mais inteligente da sala. Dominava matemática, mesmo que tivesse problema com as equações de segundo grau, e adorava as ciências naturais. Em física ele e o professor davam um show na aula, a conversa ficava entre os dois. Kimbal partia de um princípio simples como gravidade para fazer perguntas absurdas e sonhadoras.

- É possível então construir uma casa no espaço? E se existir uma forma virtual de simular gravidade? 

 Mauro desceu até a parte inferior da casa e procurou por sua caixa de recordações. Ele tinha alguma coisa de Kimbal ali, uma foto. Retirou a fotografia de dentro e sorriu. Nela conseguia ver Kimbal sorrindo com as mãos sujas de argila enquanto construía um vulcão. 

 Kimbal um dia sumiu. Dizem que sua mãe teve que voltar para a África do sul e levou ele, mas não teve nenhum aviso. Ele simplesmente sumiu. Kimbal virou só um conceito, algo estranho, só um aglomerado de memórias de alguém genial. Tudo que ele tinha de Kimbal era uma sombra de quem ele era, seu melhor amigo e gênio em potencial. Às vezes as pessoas somem, às vezes nós perdemos as coisas. Mauro deu um meio sorriso. Ele tinha esperança que Kimbal um dia fosse aparecer do nada; sendo o dono de uma empresa, um astronauta, um super gênio, uma pessoa e não uma sombra. Mas por enquanto ele era apenas memória. 

 Mauro sabia disso. Prometeu para si mesmo não esquecer do amigo e desligou as luzes da casa, era hora de dormir.

~''~

 Em algum lugar da África um homem alto ativou o dispositivo pela terceira vez no mês. Era uma aparelhagem complicada e os fios se espalhavam por todo o laboratório. Os post-its sujavam o chão e os rascunhos já estavam se desprendendo do mural. A esposa de Kimbal entrou no laboratório com as mochilas, estava vestida para viajar. O marido sorriu e a luz da máquina o iluminou.

- Então, está pronta para ir para o espaço? 

Às vezes somos apenas sombras. 

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