Rubel sabia que as
coisas mudavam. Afinal, ele estava escrevendo esse e-mail para a sua irmã.
Nunca imaginou que digitaria um e-mail que não fosse de trabalho, ele odiava
e-mails. Mas decidiu mandar porque ele tinha se lembrado de um dia no
microcosmo. Aquele pequeno mundo em que ele vivia quando era adolescente. No
dia em que estava na sua memória ele tinha saído mais cedo da escola porque a
mulher do diretor tinha morrido. Era uma mulher gentil e vendia biscoitos para
ele por um preço totalmente acessível para um guri de treze anos, mas Rubel lembrava
de não ter derramado uma lágrima por ela. Ele chegou em casa e viu sua irmã
sentada no sofá assistindo um episódio de Vale
a pena ver de novo. Ele achava engraçado essa ideia de reprise, passar
novelas antigas como novas. As pessoas sabiam que eram antigas, porém Rubel
sentia que sua irmã estava convencida que eram paradas novas e frescas.
- Hey Clara.
Ele se lembra de ter dado um beijo na bochecha dela. Na
época ele tinha treze anos e ainda não achava estranho dar beijocas na irmã,
depois de adulto ele retomou o hábito. Sua irmã na época estava fazendo um voto para namorar com o Carlos que
morava no quarteirão dos maconheiros da cidade. Carlos era gente boa e merecia
o voto, era o que Rubel achava. Voto basicamente era prometer algo a Deus em
troca de algo. No caso, a irmã de Rubel tinha prometido não beber uma gota de
Guaraná durante cinco meses em troca de namorar com Carlos. No fim eles
namoraram, mas o namoro durou cinco meses. Rubel achava que tinha sido uma
troca equivalente. Cinco meses de Guaraná por cinco meses de namoro. Foi nessa
época que sua irmã começou a beber, e anos depois ela ia ter problemas com alcoolismo.
Tudo por causa de um maldito garoto e um maldito guaraná. Mas agora estava tudo
bem, ela estava namorando um cara legal que gostava de comprar cervejas para
Rubel toda vez que ele ia visitar os sobrinhos. Mas, voltando ao microcosmo.
Nesse dia ele deu um
beijo na bochecha da irmã e subiu para o quarto. Rubel na época tinha um violão
que seu pai tinha pegado “emprestado” do tio Ronaldo. O garoto na época
conseguia ouvir o violão chamando ele para arranhar alguns acordes. Ele sentia
a ponta dos dedos duros de tanto treinar. Sentiu cheiro de arroz doce no andar
debaixo e correu para pegar um copo de vidro (e ouvir uma bronca da mãe quanto
a pressa e vidro no chão) e pegar um pouco de arroz doce. No dia ele estava
estudando para a prova de física. Sobre elétrons. Quando você perde um, fica
positivo. Grande metáfora, pensou.
Ele tinha esses momentos congelados em sua mente.
Terminou de escrever
e mandou o e-mail. Olhou ao redor e viu sua casa mobiliada e sozinha, chamou
por seu cachorro e acariciou o vira-lata. Talvez ele bebesse uma cerveja, era
só mais um dia em mais um microcosmo.
uma viagem minha |
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